segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Eduardo Campos: "O Estado deve superar dogmas da esquerda"
24/09/2007
Cristiano Romero e Raymundo Costa / Valor Econômico – 04/09/07

Representante da nova safra de governadores, Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, conta que encontrou os serviços essenciais de seu Estado nas áreas de saúde, educação e segurança pública falidos e dominados por corporações, sindicatos e interesses privados. Segundo Campos, por causa dessa herança, Pernambuco é hoje "campeão negativo" em indicadores de duas dessas áreas (segurança e educação básica) e vice-campeão na outra (saúde).

O governador diz que sua geração não refuta o equilíbrio fiscal obtido pelos governos anteriores nem reivindica elevação dos limites de endividamento para enfrentar a situação. Em lugar disso, ele prega uma revolução na gestão dos serviços públicos, instituindo contratos de gestão na área educacional, a adoção de conceitos de produtividade nos hospitais públicos e a "estatização" e modernização das polícias.

Ao emitir suas opiniões nesta entrevista ao Valor, Campos, de 41 anos, único herdeiro político de Miguel Arraes, faz críticas abertas à esquerda, responsável pelas corporações que dominam o serviço público e que impedem a sua modernização. "Esses dogmas que a esquerda desenvolveu, tipo 'a escola será democrática se a gente eleger o gestor por eleição direta', não vão garantir qualidade no ensino", diz o governador.

Presidente do PSB, Campos também dá indicações de que a aliança que apóia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá mais de um candidato em 2010 e que não acredita que o PT abra mão de candidatura própria em favor do pré-candidato do PSB, Ciro Gomes.

Campos, que recebe hoje o presidente Lula no Porto de Suape para o lançamento das obras de terraplanagem da refinaria Abreu e Lima, informa que o investimento esteve ameaçado, mas que, agora, a Petrobras tomou a liderança, depois de se tornar majoritária no projeto - 60%, face a 40% da venezuelana PDVSA.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: A refinaria de petróleo sai ou não sai?
Eduardo Campos:
Está saindo. O Estado fez a doação de um terreno de 630 hectares no Porto de Suape. Já fizemos o licenciamento ambiental. Licitamos as obras de três ações que estão sob nossa responsabilidade, totalizando investimento de R$ 235 milhões em infra-estrutura. A Petrobras fez a licitação da obra de terraplanagem, cuja ordem de serviço será dada hoje, pelo presidente Lula. O cronograma está inteiramente em dia para inaugurarmos a refinaria no segundo semestre de 2010.

Valor: Por que Hugo Chávez está se queixando de lentidão?
Campos:
O protocolo do investimento dava 50% do negócio à Petrobras e 50% à PDVSA, e haveria investimentos do mesmo montante no Poço de Orinoco, na Venezuela. Em 2005, chegou-se a lançar a pedra fundamental do investimento no Porto de Suape, mas o negócio não andou. A dificuldade estava na governança de um processo em que duas grandes empresas, com culturas distintas, iam tocar um investimento 50-50. De outubro de 2006, após a reeleição do presidente Lula, até a primeira quinzena de janeiro, construiu-se uma saída: em vez de o investimento ser 50-50, passou a ser 60% da Petrobras e 40% da PDVSA. Já em Orinoco, as participações serão invertidas. A partir dali, a Petrobras acelerou o processo.

Valor: Há informações de que a Petrobras quer tocar a refinaria sozinha.
Campos:
Ela está fazendo a refinaria acontecer. Até a conclusão do empreendimento, a PDVSA poderá estar ou não no negócio porque cabe à Petrobras fazer e os venezuelanos integralizarem ou não. O que declaram a Petrobras e o governo brasileiro é que desejam a parceria. Se ela vai se efetivar, só o tempo dirá.

Valor: A nova geração de governadores está sendo derrotada pela violência e pelos baixos indicadores de saúde e educação?
Campos:
Essa geração tem um grande desafio, que é aproveitar este momento, em que o Brasil reconquista os fundamentos para poder crescer, para voltar a pensar o país dentro de um grande projeto nacional de desenvolvimento. Para isso, é preciso que o poder público garanta o ambiente de empreender. Os Estados chegaram a um equilíbrio tênue em suas contas, mas agora o desafio é fazer as coisas funcionarem. Não adianta ter só equilíbrio nas contas. É preciso ter equilíbrio nos serviços.

Valor: Como se alcança esse equilíbrio?
Campos:
Só se faz isso com gestão, melhorando a qualidade do gasto; enfrentando distorções geradas pelo corporativismo, pela falta de controle e modernização; reduzindo o custeio, inclusive, por meio da revisão de contratos. É fazer mais com menos. Para responder a isso, não adianta ter apenas sensibilidade política. É preciso ter capacidade de gestão, equipe profissionalizada, e mudar a cultura política também.

Valor: De que forma?
Campos:
Temos que enfrentar a própria base política. Na educação, diretor regional em Pernambuco não é mais indicado por prefeito ou deputado. Estou buscando os diretores em faculdades. Eles vão lá, se candidatam, fazem uma prova, participam de uma banca e, aí, escolho o gestor porque preciso de alguém nas escolas com qualidade para tocar o plano de educação. Vamos medir resultados. Não posso admitir que uma escola, junto de uma outra, com os mesmos salários, a mesma população, não funcione bem e a outra, sim. Temos que premiar o mérito. Não é feio fazer isso. A esquerda precisa saber que premiar o profissional que mostra resultado é uma necessidade.

Valor: Os diretores das escolas são escolhidos por eleição direta. O que o senhor acha disso?
Campos:
O fato de se eleger um gestor não garante democracia na escola. A escola será democrática se ensinar, de forma decente, os filhos dos trabalhadores e dos pobres. Esses dogmas que a esquerda desenvolveu, tipo 'a escola será democrática se a gente eleger o gestor por eleição direta', não vão garantir qualidade no ensino.

Valor: O senhor acabou com a eleição direta?
Campos:
Não, mas estou cobrando que os contratos de gestão sejam cumpridos. O gestor eleito não pode repetir na escola o patrimonialismo que condenamos nos velhos coronéis. Tem gestor que se elege e acha que é dono da escola. Não cumpre o contrato de gestão, permite que o eleitor dele não vá dar aula e obriga o que não votou a dar. O Estado tem que botar esse gestor para fora.

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